segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Cansados de Alma: Mateus 11:25-30

Todo o texto lido, em princípio, por mais básico e lógico que isso possa parecer, é lido por nossos próprios olhos (isso será sempre um pressuposto de leitura para cada uma de nossas reflexões, vocês sempre me ouvirão falar isso). Quando lemos, lemos a partir de nós mesmos, de nossa própria história, daquilo que recebemos, daquilo que ouvimos e lemos em nossa vida comum e em nossa vida de igreja, daquilo que vivemos e daquilo que estamos vivendo como momento. Quando lemos, lemos o texto e lemos a nós mesmo também. Esse é um princípio de qualquer leitura e interpretação. Mas, para ir além é preciso um pouco mais.  

Daí, nos encontramos aqui com uma das mais famosas e talvez uma das mais repetidas frases de Jesus: "Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e em mim encontrarão descanso para as vossas almas [...]" (verso 28 e 29 de Mateus 11, dito de forma decorada, diferente da versão lida, NVI). E talvez, já e automaticamente, nos identificamos como leitores e ouvintes atentos ao chamado de Jesus. É a nós ou, de uma forma mais individualizado ainda, é a você e é a mim que ele chama, se estivermos cansados, se eu estiver cansado, se você estiver cansado (ou cansada). É um chamado aos cansados. Mas não aos cansados de qualquer espécie, a apenas os cansados de alma: "e vocês encontrarão descanso para a suas almas" (verso 29, NVI). É um cansaço específico, diferente, diferente e mais profundo.     

E para entender isso, de uma forma mais significativa,  é preciso começar a ler não apenas com os nossos olhos, mas, se for possível, também com os olhos de Mateus e, principalmente, com os olhos dos primeiros ouvintes ou leitores de Jesus quando ele disse isso. Todavia, não é fácil fazer isso de primeiro momento, já que Mateus coloca o texto num lugar um pouco estranho, desconexo com o que está antes e com o que está depois do texto. Não parece haver uma sequência, não uma sequência lógica (para entender isso é preciso ler Mateus 10, 11 e 12). Já o texto em paralelo, Lucas 10:21ss, onde poderíamos buscar mais informações, não aparecem os versos 28, 29 e 30 de Mateus. Ele fala apenas da alegria de Jesus depois da volta dos 70, que cumpriram com êxito a missão para a qual foram enviados, e isso contempla apenas os versos 25, 26 e 27 que lemos em Mateus. O "vinde a mim" não está ali.

No entanto e mesmo assim, conhecendo os discípulos mais próximos de Jesus e seus anseios, conhecendo o público sempre presente nos discursos de Jesus, e conhecendo seus adversários mais comuns, percebemos logo quais eram os olhos e ouvidos iniciais focados nessa preciosa fala de Jesus. Eles são gente profundamente cansados de alma. É gente comum, gente que vive a vida de forma comum e enfrenta as dificuldade comuns da vida, e que, também, como também é comum, em alguns momentos enfrenta grandes dificuldades, mais pesada, mais duras, mais complicadas. É gente pobre, na sua maioria, é gente pecadora, também na sua maioria. É gente que sonha com uma realidade melhor apesar das dificuldades, é gente que quer uma vida melhor apesar das impossibilidades, é gente que deseja uma existência menos pesada. É gente que sonha e que tem esperanças. É gente que por conta da vida e de tudo o que rodeia a vida comum, quer Deus.  

Mas lá, Deus, para eles, se apresenta sempre como um ser inacessível. Como já disse a vocês, um ser que só pode ser alcançado em um único dia num único lugar por um único homem, o sumo sacerdote no santo dos santos. De uma outra forma, um Deus que só pode ser alcançado a partir de uma obediência cega a um conjunto de regras mais do que desumano, regras impostas por um forma de religiosidade ritualista que se alimentava da ideia de que a espiritualidade se dava no oferecer mais, no fazer mais, no ser mais, e cada vez mais dentro de uma lógica cíclica e sem fim. Em Mateus 23, Jesus exemplifica isso nas suas advertências aos religiosos, são os fardos pesados que não podem ser carregados por ninguém (verso 04). É uma religiosidade pesada que faz cansar, e, a muitos, desistir. Aos mesmo religiosos ele ainda diz, verso 13 do mesmo capítulo 23, "vocês fecham o Reino dos céus diante dos homens! Vocês mesmos não entram, nem deixam entrar aqueles que gostariam de fazê-lo". Entendiam que para ser de Deus precisava ser difícil e pesado.

Os primeiros ouvintes e leitores do texto que acabamos de ler, entendiam muito bem do peso da vida, assim como a gente. Mas também entendiam de um peso extra, o peso de uma forma de fé e religião que impossibilitavam um verdadeiro encontro com Deus. Cansados por conta da vida, cansados por conta de suas crenças. E mais, sem poder alcançar Deus. E aí Jesus aparece e faz um convite, que começa com um "venham a mim". Se não há para onde ir ou se não é possível ir para lá, venham para cá. Pois, ele se apresenta como uma possibilidade outra. Uma possibilidade outra para quem não suporta mais os pesos que são impostos, o peso comum da vida e o peso incomum da religiosidade. Uma possibilidade outra para quem não aguenta mais tentar e não conseguir. Uma possibilidade outra para quem se cansou de ouvir não como resposta. Uma possibilidade outra para quem se cansou de buscar e se frustrar. Mas Jesus não se apresenta como um outra via de um outro peso. Muito pelo contrário, ele se apresenta como alívio: "o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (verso 30). Para aqueles primeiros ouvintes, homens e mulheres da Judéia antiga, essas palavras devem ter soado de uma forma afetuosa e leve, acalento para o coração. Se Deus pesa, não é o Deus que Jesus nos ensinou. Suavidade e leveza fazem parte da espiritualidade de Jesus. 

Já hoje ou para hoje, eu diria, é também um dia de descanso. Não é muito diferente de lá. Somos gente também. Gente a procura de um caminho melhor, de um vida melhor, de um tempo melhor. Gente pecadora também, mas gente que compreende e busca por Deus, são desejos. Gente que quer ter uma espiritualidade viva. Uma religiosidade para a vida. Um cristianismo e uma "igrejismo" verdadeiro. Por isso, venham, venham e descansem, todos vocês que estão cansados e sobrecarregados. Venham e recebam o descanso de Jesus. Venham e tomem sobre vocês o jugo dele. Venham e aprendam humildade e mansidão. Venham e descansem suas cansadas almas. Hoje é tempo para isso: descansar a alma.

Um comentário:

Carlos Rodrigues disse...

Obrigado por nos fazer descansar nas suas palavras iluminadas pela Palavra Dele. Abraço.