João
capítulo 02, do verso 12 ao verso 22, especificamente os versos 19, 20 e 21,
enquanto narrativa, enquanto texto escrito para a comunidade cristã ler num
tempo já bem posterior, só poderia estar, como texto e como ideia (ideia
teológica e eclesiástica), no evangelho de João. Digo isso por mais lógico que isso
possa parecer. Diferentemente dos sinóticos: Mateus, Marcos e Lucas, João
coloca Jesus em Jerusalém, no templo, no período da páscoa, em embates
religiosos, já em seus primeiros capítulos. João, em seu texto, se aplica a um
desenvolvimento cronológico e de ideias diferente. A frase do verso 19, apenas
como exemplo, de um modo um pouco diferente, aparece em Marcos 14:57-58 (não
como afirmação de Jesus, mas como acusação contra ele): "Então se levantaram
alguns e declararam falsamente contra ele: "Nós o ouvimos dizer:
"Destruirei este templo feito por mãos humanas e em três dias construirei
outro, não feito por mãos de homens"". No entanto, o verso 19:
"Destruam este templo, e eu o levantarei em três dias", desse jeito, da
forma como está, só pode ser lido em João. E mais, só pode ser lido e entendido
a partir de João.
Tudo
começa com a ideia de que Jesus, sua família e seus discípulos estão descendo
para Cafarnaum e, depois, Jesus (não há referência à família ou aos discípulos)
está subindo para Jerusalém para o período da páscoa dos judeus (verso 12-13) -
é o período das festividades. Chegando lá, ele percebe (ele vê, diz o texto)
que a casa que era para ser chamada de casa de oração para todos os povos ou
todas as gentes (isso está em Mateus 21:13), tornou-se um "covil de
ladrões". Já João, de uma forma mais branda que em Mateus, diz que Jesus
disse algo menos pesado: "Parem de fazer da casa de meu Pai um
mercado" (verso 16). E, em princípio, é claro que aquilo não foi uma
percepção de momento, ele viu e percebeu, Jesus sabia de tudo aquilo há muito
tempo. Todos ali sabiam daquilo há muito tempo. Não é algo novo, mas chegou ali
ao seu limite. E, também é claro, apesar de João usar palavras menos pesadas
que Mateus, que o chicote na mão, a expulsão dos cambistas, a fala dura do
verso 16 e a fala metafórica do verso 19 colocam Jesus em uma posição difícil
diante da religião judaica, o colocam em contraposição ao templo. Jesus é agora
mais um entre os muitos judeus que acreditam que todos os problemas da nação
começam ali, no templo. Mais e principalmente de que todos os problemas da
nação em relação com Deus começam ali.
E não
há nada de novo nisso, pois isso começa com os contrários à reconstrução do
templo (Neemias e Esdras), passa pelos profetas - Oséias me parece o mais duro
nesse sentido - e chega a grupos separatistas do período de Jesus, que, em
extremos, por conta da impossibilidade de um reforma religiosa, passam a
pregar, explicitamente, contra o templo, e, se possível, torcem pela destruição
dele. Por isso, o verso 19, no texto que lemos, se torna tão importante:
"destruam este templo...". E, também por isso, acaba servindo em
Marcos, como forma de acusação contra Jesus. Ele é um deles. E, de certa forma,
é mesmo.
Assim,
olhando para tudo aquilo, seria impossível compreender uma ausência de atitude
de Jesus. Ele tinha que fazer algo, e fez. Tinha que dizer algo, e disse. Pois,
entender e aceitar um Deus aprisionado no templo, no santo dos santos,
acessível apenas para um único homem em um único dia era algo inadmissível. Ver
a Deus como Jesus via e, de repente, trombar aqui com o sábado, esbarrar ali
com a lei, tropeçar acolá com os ritos sacrificais não era, certamente, algo
cômodo ou fácil para ele. Um Deus que não se misturasse à caminhada histórica
de seu povo (tabernacular, segundo Hebreus), que não se misturasse às angústias
e desafios de cada um deles, que não se fizesse tanto no céu quanto na terra
(segundo o Pai Nosso), seria um Deus impensável para Jesus. Como ele disse para
a mulher samaritana em João 04, não está lá em Jerusalém, nem está aqui neste
monte, está em todos os lugares e em todos os tempos, pois isso tudo está na
relação feita da "verdade", feita do "espírito", feita da
proximidade e da intimidade. Por isso, "derrubem este templo".
Todavia,
João diz nos versos 21 e 22, que Jesus falava sim era do seu corpo, o que só
pode ser entendido, de forma completa, na ressurreição. "Os judeus responderam: "Este templo levou
quarenta e seis anos para ser edificado, e o senhor vai levantá-lo em três
dias?"" (verso 20). Sim, vou. Pois, se o templo, que levou quarenta e
seis anos para ser edificado, tornou-se prisão para todo a forma de
relacionamento próximo com Deus, o corpo, ressuscitado de Jesus, em três dias, tornou-se
libertação, e mais: uma possibilidade única e próxima de uma espiritualidade
sem igual. Não era apenas um corpo voltando à vida. Era a vida voltando ao
corpo. Era a vida se tornando mais vida, pois agora, Deus, antes inacessível,
não estaria mais lá, na impossibilidade. Deus seria agora um aqui. Perto.
Presente. Junto. Corpo.
E isso é um tipo de coisa que não se explica assim, fácil. A gente só vê
e entende quando a gente olha de perto, por exemplo, para a Maria Madalena
(João 20:16) olhando para Jesus, depois de um longo choro de tristeza e
desesperança, dizendo: "levaram o meu Senhor", e aí exclama:
"Mestre!" Não era o jardineiro. É uma coisa que a gente só
entende entendendo a incredulidade de Tomé, pois ele é daqueles que sabe que
"a alegria (ou a esperança) de pobre dura pouco". Por que então seria
diferente daquela vez e logo com eles? Mas então foi. E ele reconhece:
"Senhor meu e Deus meu!" (João 20:28). É coisa que a gente só entende quando a gente
caminha junto com aqueles dois sujeitos a caminho de Emaús (Lucas 24),
desencantados sujeitos, e aí, também, de repente, percebe, assim como eles, que
"não estava queimando o nosso coração,
enquanto ele nos falava no caminho e nos expunha as Escrituras?" (Lucas 24:32).
Como se algo estivesse lá, dentro deles, na esperança deles, naquilo caminho de
volta, de volta na vida, quase apagando, mas que, de repente, a partir daquela
voz, daquelas palavras, volta a queimar. É coisa que só se entende quando a
gente ouve Jesus dizer a Pedro: "tu me amas?" e ouve a resposta
constrangida de Pedro dizendo: "Senhor, tu sabes todas as coisas e sabes
que te amo". Vê, ouve e reconhece nisso a profundidade do amor e do perdão
de Deus. Tudo sem sacrifícios, sem sacerdotes, sem ritos ou formas, sem templo,
sem religião. Para entender tem que sentar lá, junto com eles, tendo apenas o
mar, a fogueira, os peixes e o céu como testemunhas. Espiritualidade na beira
do mar. É coisa que só se entende quando se experimenta, quando se vive, com a
mesma proximidade, com o mesmo sentimento, com a mesma intensidade.
"Destruam
este templo e eu o levantarei em três dias. [...] Mas o templo do qual ele
falava era o seu corpo. Depois que ressuscitou dos mortos, os seus discípulos
lembraram-se do que ele tinha dito. Então creram na Escritura e na palavra que
Jesus dissera". Que nós também nos lembremos disso, e vivamos sempre na esperança da ressurreição. Que Deus nos abençoe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário