Há muitas
possibilidades de leitura para o texto que acabamos de ler, leituras que vão da
compreensão comunitária e social do comer junto até leituras que se fundam na
compreensão da inesgotável, criativa e maravilhosa capacidade de Jesus de
efetuar o miraculoso. E eu começo a minha fala caminhando por algumas dessas
formas de leitura até poder chegar onde eu quero chegar dentro do texto lido, o
que, em grande parte, não se distanciará (e esta é a intenção, não se
distanciar) das outras possibilidades de leitura.
Duas dessas
leituras, inicialmente, não estão muito distantes. A primeira delas trabalha
com a ideia de que tanto a primeira quanto a segunda multiplicação dos pães e
dos peixes são um exemplo de uma grande ação social comunitária, onde o dividir
possibilitou o saciar da fome de todos. O que era individual passou a ser comum
e, de repente, todos estavam satisfeitos, conforme o texto, e ainda mais,
sobrou. É a ideia de que o Reino de Deus começa na compreensão de que não
haveria mais nada que fosse de alguém, mas que tudo de todos seria para todos.
A multiplicação se deu a partir da divisão e a divisão possibilitou a
multiplicação, todos comeram e sobrou. Teologias de cunho mais social ou
integralistas, tanto no mundo católico quando no mundo protestante e
evangélico, como a teologia da libertação, a teologia pública e o evangelho
integral, compreendem muito bem isso. E, em muito, eu tenho que concordar: a
multiplicação dos pães e dos peixes está carregada de uma ação social compreendida
e executada dentro do Reino de Deus. Ação social comunitária, comunitária e de
comunidade. E aí chegamos à segunda possível leitura deste texto: é uma grande
ceia. Ele olhou para o céu (verso 19), deu graças e partiu o pão. Partiu para
dividir, dividiu para multiplicar, e todos comeram, gente boa e gente ruim,
gente que estava ali por motivos nobres e outros não, gente confusa, gente
triste, gente doente, mas também gente feliz, gente para ouvir, gente legal,
gente de todo tipo. Todos comeram: homens, mulheres e crianças. Ninguém ficou
de fora. Foi certamente um momento de confraternização, coisa de comunidade
mesmo. Pois a gente só começa a se entender como comunidade quando a gente
passa a partir, a dividir e a multiplicar, principalmente a comida, símbolo
daquilo que nos aproxima. Só chamamos para comer com a gente, em casa ou nas
festas de família quem está próximo e se faz mais próximo e mais próximo cada
vez mais. Comer juntos é um princípio comunitário, humano e cristão. Sempre que
possível, comam juntos (só tomem cuidado com o sal e com a quantidade de comida).
Quando a mesa se torna comum, a conversa, a comida e a vida ficam mais
gostosas. Quando eu lei esse texto eu fico imaginando lá, o burburinho daquela
gente toda, sentados no chão, as mulheres conversando muito, os homens com
assuntos "importantes", as crianças correndo, gritando, chorando,
rindo, brincando, e a comida sendo passada de um a um, de uma a uma, partida e distribuída.
Agora, entre
a ação humana e a intervenção divina, o milagre da multiplicação dos pães e
peixes, está a compreensão de que do pouco Deus pode fazer muito. E eu também
não posso deixar de entender assim também. O que vocês tem? Verifiquem (Marcos
06:38). "Tudo o que temos aqui são cinco pães e dois peixes" (verso
17, Mateus 11). Perfeito! Isso será o suficiente, será mais do que o
suficiente, vai sobrar. A leitura de que Jesus, como interpretação do texto que
lemos, pode usar o pouco que é oferecido a ele, transformando esse pouco em
muito e esse muito em muito mesmo, a ponto de sobrar, é algo muito rico. E a
grande pergunta é: o que você teria a oferecer? O que eu tenho a oferecer? O
que nós, enquanto comunidade cristã (uma nova comunidade) temos a oferecer?
Ainda mais agora quando tudo se apresenta de uma forma muito provisória, é tudo
muito precário, muito por fazer, muito de começo, muito sozinho, muito e muito
quando o que há é apenas pouco. Mas do pouco o muito pode ser feito, dentro da
mesma lógica anterior: partir, dividir e multiplicar. Só que antes está o
oferecer: o que vocês tem? Temos isso e estamos disposto a oferecer. Tenho isso
e estou disposto a oferecer. Em João 06:09 o exemplo se torna ainda mais
bonito: "Aqui está um rapaz com cinco pães de cevada e dois
peixinhos, mas o que é isto para tanta gente?" Disso, o pouco do que é
profundamente humano, Deus faz o muito a partir do milagre, e a coisa acontece.
No entanto, todas as vezes que leio ou penso nesse
texto, mesmo compreendendo bem a lógica social que ele possui, seu princípio
comunitário e de comunidade, sabendo que do pouco o muito pode ser feito a
partir da ação de Deus, há algo que fica martelando a mente, incomodando, é o
verso 16: "Dêem-lhes vocês algo para comer". Uma outra versão, mais
antiga, a qual me lembro melhor, é mais perturbadora ainda: "Dai-lhes vós
de comer". É perturbador porque coloca a gente diante da mesma
situação dos discípulos: a visão de uma grande multidão que recebe de Jesus
compaixão (verso 14): "Quando Jesus saiu do barco e viu tão grande
multidão, teve compaixão deles e curou os seus doentes". Saber que a
multidão está aí e que há doentes de todos os tipos, e que ele ainda recebe de
Deus compaixão me perturba porque eu também sou discípulo, a igreja é a
congregação dos discípulos, e nós estamos juntos diante da multidão. Somos
também a multidão, mas, como igreja, somos e, mas e também, olhamos para ela
pelo lado de fora, e olhamos de forma cristã. A multidão continua com fome.
Parafraseando os textos: Jesus, mande eles embora. Já está tarde. Estamos no
meio do deserto. É muita gente. Vai ficar caro, e mesmo que tivéssemos o
dinheiro, fizéssemos uma "vaquinha", não valeria a pena, seria
desperdício. É melhor eles irem embora. Não, ainda o verso 16: "Eles não
precisam ir. Dêem-lhes vocês algo para comer".
Se é para ser cristão, tem que ser para ser
comprometido com esse negócio. Se é para ser igreja tem que ser para ser, no
mínino, consciente da multidão, vê-los é o mínino. Mas não só isso, consciente
também da "missão". Perturbados, incomodados, inconformados e, principalmente,
chamados: "Dêem-lhes vocês algo para comer", seja essa comida pão,
seja essa comida peixe, seja essa comida esperança, alegria, fé, carinho, amor,
respeito, vida e tudo o mais que faz parte da prática cristã, do estilo de vida
cristão. Agora é com a gente: "dêem-lhes vocês algo para comer", vejam
o que vocês têm, partam, multipliquem, dividam e comam juntos, de forma social
e em comunidade. Pois isso é a missão da igreja. Isso é o Reino de Deus. Isso é
milagre de Jesus.
Um comentário:
muito legal
tinha perdido algumas partes domingo e estava esperando o texto
obrigada, pr. Clademilson
Juliana
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