segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Espírito

Lá pelo final da primeira carta do apóstolo Paulo aos tessalonicenses, ele diz algo que hoje vejo e me faz pensar diferente: “não apaguem o Espírito”. A expressão é só esta, exatamente: “não apaguem o Espírito”, I Tessalonicenses 05:19, assim mesmo, só isso. É uma expressão curta, direta, simples e, ao mesmo tempo, profunda. E agora, para nós, também difícil. Pois - e essa talvez seja a grande dificuldade - não há no texto nenhuma referência a Santo ou de Deus. É apenas assim: “não apaguem o Espírito”, e um “Espírito” forçosamente escrito em maiúsculo em nossas Bíblias, como se o grego bíblico se permitisse a isso. E aí a interpretação nos impele a entender mais do que é preciso entender e ver menos do que é possível ver, o que diminui em muito a voz do texto e do autor.

Talvez isso aconteça porque na Bíblia, na interpretação dela, quase sempre, a palavra “Espírito” esteja vinculada a ser alguém ou de alguém. “Espírito”, na Bíblia ou em sua interpretação, quase sempre, precisa ser, e é. No entanto, quando o “Espírito” é, ele é sempre mais.

O “espírito” da coisa, por exemplo, é mais do que a coisa em si. A coisa é sempre ela em si mesma, já seu “espírito” é mais. A amizade, também por exemplo, enquanto coisa em si, é apenas amizade, já seu “espírito” é mais, é proximidade, é estar junto. O amor, mais um bom exemplo, enquanto coisa-ato em si, é apenas amor, já seu espírito é mais, é gesto. A vida, meu último exemplo, enquanto vida é coisa apenas biológica, enquanto “espírito” é força, é pulsão, é energia, é mais. Assim é possível entender - também - que nem sempre o “espírito” está vinculado com a coisa, e vice-versa. Então é possível ver morrer - extinguir ou apagar, seguindo Paulo - o “espírito” com a coisa ainda viva. Também e pior, é possível, deliberadamente, matar o “espírito” para poder preservar a coisa. Como se a coisa pudesse ser sem “espírito”, e pode. No entanto e por outro lado, é também possível o “espírito” sem a coisa. Aí é a coisa que morre, é a coisa que precisa ser morta, matada. É o “espírito” vivo, sendo e tendo. Na metáfora de Paulo, é o “espírito” fogo, que não deve ser apagado. No entanto, na vida, às vezes o “espírito” se torna brasa... ou um carvão quente... ou apenas cinzas. Não é mais chama, não é mais fogo. Mas, do seu jeito, mesmo que pouco, ainda aquece.

Aí então - e apenas talvez - eu comece a entender Paulo: “não apaguem o Espírito”. Diz ele: “Alegrem-se sempre. Orem continuamente. Deem graças em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus. Não apaguem o Espírito.” Mas qual “Espírito”? Aí é preciso ler tessalonicenses, ler Paulo, ler os evangelhos, ler o Reino, ler o Cristo, ler a vida, ler o próprio “Espírito”, que quando é, é sempre mais.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Carta

(O texto que segue é uma carta de uma família da igreja, lida no culto de despedida, e agora postada no blog: Gilton, Selma, Thais, Tatiana, Thaina, Thalia e Rafael. Minha gratidão à essa família que sempre me abençoou, e agora, mais um vez, volta a me abençoar). 

Esse é um momento muito especial pra mim. Não porque seja um momento de despedida, mas sim porque é um momento de homenagem; e é muito bom poder homenagear uma pessoa tão querida como você. Agradeço a Deus por sua vida porque por muitas vezes você a deixou para me ajudar a cuidar da minha; e também agradeço a por sua família que por muitas vezes você também os deixou para me ensinar a cuidar da minha. Às vezes pode não parecer, mas aprendi muito com você. Obrigada por dividir comigo tudo que você tem. Eu estou falando de pessoas maravilhosas que conheci através de você; João Luiz e sua família, que mesmo não exercendo seu ministério pastoral, tem pastoreado a vida da minha família desde momento em que você os trouxe até nos. Laurence e Meire grandes exemplos de pessoas que realmente se parece com Jesus; a humildade, o carinho, respeito e o cuidado. Jesuína mulher sabia, eu ouviria falar pelo resto da minha vida. E muitas outras pessoas que marcaram nossas vidas. Obrigada Clademilson por dividir conosco seus amigos; você é um homem abençoado e esta cercado por uma riqueza muito grande, que são seus amigos sinceros aqueles que sempre vão estar ao seu lado. Vocês transformaram a vida não só da minha família, mas a família batista vitória. Agradeço a Deus pela sua força, por todo trabalho que você realizou. Nunca vou esquecer e sempre vou lembrar com alegria de cada tijolo que você colocou, eu não estou falando só da construção do templo, mas sim da reconstrução da minha vida, de cada tijolo que você me ajudou a colocar com paciência, com sabedoria, com amizade, sinceridade e amor.

sábado, 25 de junho de 2011

Pastoral de despedida

“Quando Jesus viu sua mãe ali, e, perto dela, o discípulo a quem ele amava, disse à sua mãe: "Aí está o seu filho", e ao discípulo: "Aí está a sua mãe". Daquela hora em diante, o discípulo a levou para casa” (João 19:26-27).

Eu aprendi de um amigo, um bom amigo, que quando a gente chega a uma igreja para ser pastor, para começar um ministério, que a primeira coisa que a gente deve fazer, enquanto pastor, é começar a pensar, começar a se preparar e preparar o dia em que você vai deixar de ser pastor daquela igreja. E eu sempre tomei isso como algo importante. Algo sério. Por essa razão, desde muito, eu sempre imaginei como seria este momento, o momento de deixar de ser. E na imaginação, quase sempre controlável, havia muito de diferente. Mas nem tudo é como “se gostaria de ser”, nem como “deveria ser”. Algumas coisas apenas são, e ponto. Eu também sempre imaginei o que deveria dizer neste dia, o dia que se fez hoje. Teria que ser algo meu. Teria que ser algo de vocês. Teria que ser algo especial. Um resumo de tudo. Mas seria quase impossível resumir - assim - tanto tempo. Tanta experiência, tanta convivência, tantas tristezas e alegrias compartilhadas. Mas teria que ser algo assim, nosso. Como sempre foi. Mas também teria que ter um texto. Um texto que resumisse tudo. Um texto que fosse pouco mais que dissesse muito. Um texto que fosse de fim, mas também de recomeço, e que também apontasse continuidade. Que falasse mais, que fosse para além, e que, indo além, nos alcançasse, e nos atingisse em profundidade. E João 19, versos 26 e 27, texto que usei dias atrás para falar de família, sempre foi o texto escolhido. É o último texto da minha última fala. E nesta fala eu me volto para a nossa história.

Uma teoria histórica diz que o cristianismo nasceu no dia de Pentecostes, Atos 02, quando o Espírito de Deus, vindo como línguas de fogo, desceu sobre os discípulos de Jesus e lhes encheu de poder. Mas já faz muito tempo que eu não entendo assim. A igreja não nasceu da distribuição de poder, do poder de fazer e de desfazer, do poder de mandar e de “desmandar”. Tudo bem que a igreja se misturou ao poder, se confundiu com o poder e passou a viver dele. Mas não é ele que fez a igreja, não é dele que se faz a igreja. Outra teoria diz que a igreja nasceu quando Jesus chamou os seus discípulos: “lhes farei pescadores de homens”. É algo relacionado com vocação e projeto. É uma predestinação: são vocês, e é para algo: a missão, evangelismo e missões: falar, anunciar, pregar, converter e doutrinar. Mas também já faz muito tempo que eu não entendo assim. A igreja nasceu para o Reino e o Reino é muito mais do que isso, mas muito, mas muito mais “mesmo” do que isso. É tanto mais que a igreja se esqueceu do Reino.

Mas para mim, seguindo um autor chamado Harold Bloom, a igreja começa aqui, em João 19, versos 26 e 27. É um princípio de compaixão e cuidado. “Eis aí a sua mãe”, “eis aí o seu filho”, palavras de Jesus, é isto: compaixão e cuidado. A igreja nasce aqui. Esse é o caminho de “maior excelência” que Paulo nos ensina em I Coríntios 13. Esse é o ser cristão que supera esse negócio de “dons”, de cargo, de posição, de função, de doutrina ou dogma, de estatuto, de rol, de regimento, e de tantas outras coisas que inventamos. É o aquém que se fez muito além do que aquilo que a igreja buscou ser. Isto é ser igreja, isto é ser cristão, este é o caminho, e foi por aqui que eu tentei caminhar com vocês durante todo este tempo, o nosso tempo.

Talvez por isso, como igreja, nós nos fizemos diferentes. Pois aqui nunca houve pastor e ovelhas. Nunca os vi como meus ou minhas, nunca fui dono, chefe ou patrão. Nunca dei ordens, mandei ou cobrei. Não me fiz mestre, doutor ou professor. Nunca os fiz de meus alunos ou alunas, doutrinandos ou doutrináveis. Fiz-me sempre daquilo que jamais deixarei de ser de vocês, um amigo. Pois compaixão e cuidado não se ensinam, nem se mandar ser. Isso só se vive. E não se vive sendo maior, diferente, especial. É preciso ser igual, e estar junto. Foi assim que eu tentei ser pastor, cuidando de vocês (e se não cuidei o suficiente, peço perdão). Foi assim que eu tentei ser pastor de vocês, forçando-os a cuidar uns dos outros, e esperando, pacientemente, pelo cuidado de vocês.

Por agora eu me calo, mas, como todos aqueles que em algum momento foram donos do discurso, espero continuar sendo ouvido, mas muito menos por aquilo que disse, e muito mais por aquilo que fui, ou busquei ser. Que Deus os abençoe.