Hoje,
como proposto pelo tema do mês, como tema para esta noite, pensar família
deixou de ser apenas uma necessidade prática de reflexão, ou, melhor dizendo,
uma necessidade de reflexão prática sobre a família, do como ser família, o ser
pai, o ser mãe, ser o responsável, o marido ou a mulher, ser filho ou filha,
enteado ou enteada, o que ser e como ser, o lugar, o papel etc; e passou a ser
uma forma de desespero ou lamento na despedida, pois, o que de fato se está
falando, e esta é uma preocupação de todos e eu não estou exagerando, é sobre o
fim da família. Enquanto nós estamos discutindo aqui (na igreja), ainda, o
papel de cada membro da família: o pai é (ou deve ser) isso, a mãe é aquilo e
os filhos são deste ou daquele jeito, lá fora, no mundo, já se está falando
sobre a falência e a inexistência da família e sobre as crises que isso tem
causado na sociedade como um todo. Pois com a falência da menor e da primeira
das instituições, a instituição família, todas as outras ruíram juntas: o
Estado, a escola, a igreja e todas as outras grandes instituições em sociedade
que você possa pensar, até mesmo a ideia de globalidade, de planeta. Isto é o
fim da instituição.
Talvez
por isso se esteja discutindo tanto os “papéis”, como se a vida fosse como em
palco de teatro ou na tela do cinema, é só acertar os papéis, as falas e as
interpretações e pronto, estará tudo resolvido. Talvez também por isso se
esteja falando tanto em “identidade”, a identidade da igreja, no nosso caso, a
“identidade batista”, perdemos a identidade, aquilo que nos identifica, como se
isso fosse uma crise só batista, ou só da igreja. Hoje, ninguém mais sabe o que
é, nem mais ao que pertence, o de onde, e digo isso a partir das
individualidades, pensando de pessoa em pessoa; como então não haveria crise de
identidade institucional: Estado, igreja, família etc, se as pessoas não sabem
mais o que elas são individualmente ou se são. Tempos atrás uma jovem no ônibus
que eu também estava dizia: segunda eu vou em tal igreja, hoje eu vou em tal
outra, amanhã eu vou na minha, na quinta eu vou na da minha amiga, na sexta eu
vou naquela, no sábado (e isso eu já estou inventando, mas pode bem ser
verdade) vou num show, no domingo volto para minha. Mas qual é a dela? Quem é
ela? Qual é a sua identidade? Ela é de todas e, ao mesmo tempo, de nenhuma. Mas
e na família?
Quando
eu olho para a família eu não vejo uma crise de “papéis”, quem é o que e quem
faz o que, o pai sustenta (é o cabeça) e a mãe educa (é a submissa), os pais
mandam e os filhos obedecem. Os papéis mudam, a mãe pode trabalhar e ganhar
mais do que o marido, sem nenhum problema; o marido pode ajudar nos afazeres
domésticos e na educação dos filhos, também sem problema; os filhos podem
participar nas decisões da casa e não só obedecer, pois dar a opinião também é
sinal de respeito e obediência. Não é isso o que está destruindo a família.
De
outra forma os “papéis” também mudam e mudaram no Estado, finalmente
descobrimos que nem tudo é culpa do governo, nós também somos culpados de muita
coisa que está ao nosso lado. Quando eu ouço alguém dizendo “ninguém faz
nada...” eu já entendo que quem está dizendo já se incluiu nesse ninguém. A
escola também mudou ou precisa mudar, da educação informativa para uma educação
formativa. A igreja, querendo ou não, também mudou, para mal na maioria dos
casos, mas também para o bem. Não foi isso o que destruiu ou está destruindo as
instituições. Os papéis mudaram, as instituições continuam aí, então onde está
a crise? Principalmente a crise da família, onde ela está? O que aconteceu?
Como disse semanas atrás, o que aconteceu foi que alguns valores mudaram ou se
perderam de forma definitiva. E na família, de forma principal, o que se perdeu
foi o princípio do cuidado e da compaixão. Não são os papéis, mas o cuidado. A
família entrou em crise quando passamos a pensar quase que exclusivamente em
nossa individualidade e nos esquecemos do grupo, dos outros, daqueles e
daquelas que dormem na mesma casa que eu. Foi quando eu deixei de enxergar os
outros e passei a ver somente a mim mesmo, aí voltamos ao texto que lemos.
Em João
19:11, o princípio que a família contemporânea perdeu, já estava nos pés da
cruz junto com Jesus. A Maria mãe, a Maria tia e a Maria amiga estavam lá,
cuidavam, cada Maria, do filho, do sobrinho e do amigo da forma como era
possível cuidar naquele momento, com a presença. Ou seja: Jesus estava sendo
cuidado por elas a partir da presença delas no seu momento mais difícil, a
cruz. Estar presente nos momentos de dificuldade é um princípio de cuidado.
Elas estavam lá, olhando para ele antes de olharem para elas.
Um comentário:
Belo texto, Clademilson! Cuidar é o que nos tornará família de novo, reconectará as gerações e "os de casa".
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