segunda-feira, 13 de maio de 2013

Compaixão e Cuidado: João 19:25-27

Hoje, como proposto pelo tema do mês, como tema para esta noite, pensar família deixou de ser apenas uma necessidade prática de reflexão, ou, melhor dizendo, uma necessidade de reflexão prática sobre a família, do como ser família, o ser pai, o ser mãe, ser o responsável, o marido ou a mulher, ser filho ou filha, enteado ou enteada, o que ser e como ser, o lugar, o papel etc; e passou a ser uma forma de desespero ou lamento na despedida, pois, o que de fato se está falando, e esta é uma preocupação de todos e eu não estou exagerando, é sobre o fim da família. Enquanto nós estamos discutindo aqui (na igreja), ainda, o papel de cada membro da família: o pai é (ou deve ser) isso, a mãe é aquilo e os filhos são deste ou daquele jeito, lá fora, no mundo, já se está falando sobre a falência e a inexistência da família e sobre as crises que isso tem causado na sociedade como um todo. Pois com a falência da menor e da primeira das instituições, a instituição família, todas as outras ruíram juntas: o Estado, a escola, a igreja e todas as outras grandes instituições em sociedade que você possa pensar, até mesmo a ideia de globalidade, de planeta. Isto é o fim da instituição.

Talvez por isso se esteja discutindo tanto os “papéis”, como se a vida fosse como em palco de teatro ou na tela do cinema, é só acertar os papéis, as falas e as interpretações e pronto, estará tudo resolvido. Talvez também por isso se esteja falando tanto em “identidade”, a identidade da igreja, no nosso caso, a “identidade batista”, perdemos a identidade, aquilo que nos identifica, como se isso fosse uma crise só batista, ou só da igreja. Hoje, ninguém mais sabe o que é, nem mais ao que pertence, o de onde, e digo isso a partir das individualidades, pensando de pessoa em pessoa; como então não haveria crise de identidade institucional: Estado, igreja, família etc, se as pessoas não sabem mais o que elas são individualmente ou se são. Tempos atrás uma jovem no ônibus que eu também estava dizia: segunda eu vou em tal igreja, hoje eu vou em tal outra, amanhã eu vou na minha, na quinta eu vou na da minha amiga, na sexta eu vou naquela, no sábado (e isso eu já estou inventando, mas pode bem ser verdade) vou num show, no domingo volto para minha. Mas qual é a dela? Quem é ela? Qual é a sua identidade? Ela é de todas e, ao mesmo tempo, de nenhuma. Mas e na família?

Quando eu olho para a família eu não vejo uma crise de “papéis”, quem é o que e quem faz o que, o pai sustenta (é o cabeça) e a mãe educa (é a submissa), os pais mandam e os filhos obedecem. Os papéis mudam, a mãe pode trabalhar e ganhar mais do que o marido, sem nenhum problema; o marido pode ajudar nos afazeres domésticos e na educação dos filhos, também sem problema; os filhos podem participar nas decisões da casa e não só obedecer, pois dar a opinião também é sinal de respeito e obediência. Não é isso o que está destruindo a família.

De outra forma os “papéis” também mudam e mudaram no Estado, finalmente descobrimos que nem tudo é culpa do governo, nós também somos culpados de muita coisa que está ao nosso lado. Quando eu ouço alguém dizendo “ninguém faz nada...” eu já entendo que quem está dizendo já se incluiu nesse ninguém. A escola também mudou ou precisa mudar, da educação informativa para uma educação formativa. A igreja, querendo ou não, também mudou, para mal na maioria dos casos, mas também para o bem. Não foi isso o que destruiu ou está destruindo as instituições. Os papéis mudaram, as instituições continuam aí, então onde está a crise? Principalmente a crise da família, onde ela está? O que aconteceu? Como disse semanas atrás, o que aconteceu foi que alguns valores mudaram ou se perderam de forma definitiva. E na família, de forma principal, o que se perdeu foi o princípio do cuidado e da compaixão. Não são os papéis, mas o cuidado. A família entrou em crise quando passamos a pensar quase que exclusivamente em nossa individualidade e nos esquecemos do grupo, dos outros, daqueles e daquelas que dormem na mesma casa que eu. Foi quando eu deixei de enxergar os outros e passei a ver somente a mim mesmo, aí voltamos ao texto que lemos.
Em João 19:11, o princípio que a família contemporânea perdeu, já estava nos pés da cruz junto com Jesus. A Maria mãe, a Maria tia e a Maria amiga estavam lá, cuidavam, cada Maria, do filho, do sobrinho e do amigo da forma como era possível cuidar naquele momento, com a presença. Ou seja: Jesus estava sendo cuidado por elas a partir da presença delas no seu momento mais difícil, a cruz. Estar presente nos momentos de dificuldade é um princípio de cuidado. Elas estavam lá, olhando para ele antes de olharem para elas.

Depois, o próprio Jesus ensina a eles e a nós esse mesmo princípio, o princípio do cuidado: É o filho mais velho dando à mãe (ou devolvendo a ela, que já não tem mais marido, José provavelmente já morreu) o cuidado que ele não vai mais poder dar: “eis aí a sua mãe”, olhe para ela, cuide dela. É também o mestre cuidado do seu discípulo mais amado: “mãe, eis aí o teu filho”, olhe para ele, cuide dele. Isto é família: o cuidado um pelo outro, o olhar um para o outro, foi isso o que se perdeu. Quando foi que nós nos tornamos suficientemente individualistas, egoísta e cegos para os outros, a ponto de perdermos o princípio do cuidado, eu não sei. Eu só sei que se o filho ou a filha olhasse um pouco mais - coisa pouca - para os pais, para o pai e para a mãe, as coisas seriam muito diferentes dentro de casa. Eu só sei que se o marido olhasse mais para a esposa e a esposa mais para o marido, tendo o princípio do cuidado como valor no relacionamento, as coisas seriam bem diferentes dentro de casa. Eu só sei que se os pais olhassem para os filhos um pouco mais, não só para recriminar, mandar ou encaminhar, as coisas também seriam diferentes. Eu só sei que se a partir do cuidado, esse princípio que se perdeu, olhássemos mais para quem dorme na mesma casa que a gente dorme, para quem tem ou não o mesmo sangue da gente e é família nossa, as coisas seriam bem diferentes, e, certamente, não estaríamos falando de “papéis” nem de crises, mas de alegria e harmonia: “eis aí a tua mãe, eis aí o teu filho”. “Daquela hora em diante, o discípulo a recebeu em sua família”.

Um comentário:

Carlos Rodrigues disse...

Belo texto, Clademilson! Cuidar é o que nos tornará família de novo, reconectará as gerações e "os de casa".