O capítulo
seis de João é um capítulo bastante extenso, são 71 versículos. Começa - e se
você puder olhar, deve fazer - com o relato da primeira multiplicação dos pães
(o que vai do verso 01 ao verso 15). Depois passa, seguindo o texto escrito de
João, do verso 16 ao 24, por Jesus andando sobre as águas e atravessando o mar
da Galiléia, chegando novamente à sua cidade, Cafarnaum. Então chegamos aos
versos 25 e 26 de João 06, onde Jesus começa um duro discurso sobre o que de
fato significa segui-lo, servir a Deus, participar do Reino de Deus, entender e
viver seus ensinamentos. A conversa ali era exatamente sobre isso, verso 28: "O
que precisamos fazer para realizar as obras que Deus requer?" (Pergunta
que eu não tenho dúvida, estava carregada de um certo orgulho religioso). O
assunto era esse: Como é que se serve a Deus? Como é que se segue a Deus? Como
se faz para viver com ele? Como é que se participa de seu Reino? "A obra
de Deus é esta: crer naquele que ele enviou" (verso 29). Mas para crer em
alguém que é enviado de Deus é preciso sinais. Mas o sinal já havia sido dado,
era o pão, o pão que desce de Deus e dá a vida ao mundo (verso 33, você pode olhar).
E aí, mais uma vez a barriga deles ronca: "Senhor, dá-nos sempre desse
pão" (verso 34). Isso só confirma o que Jesus disse no verso 26: "A
verdade é que vocês estão me procurando, não porque viram os sinais
miraculosos, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos". Comeram,
estavam satisfeitos, mas queriam e iriam precisar de mais.
Aí Jesus começa um discurso metafórico, simbólico,
estranho (que muitas vezes se mistura com a ideia da ceia), mas que queria
dizer e estava dizendo exatamente algo sobre o que significava servir a Deus,
da realização das obras de Deus (da pergunta do verso 28), e do crer em Jesus
(do verso 29), o que não significava ali, naquele momento, crer na existência
dele ou em quem ele dizia ser, mas crer naquilo que ele estava fazendo e
dizendo, o Reino. E o discurso começa com uma frase forte: "Eu sou o pão
da vida" (verso 35). Quem come desse pão não tem fome, quem come desse pão
não tem sede. E todos os outros versos que seguem serão um aprofundamento disso
tudo o que está sendo dito. Os ouvintes de Jesus vão rebater o que ele está
dizendo, ele vai continuar falando a mesma coisa: eu sou o pão, eu sou o pão da
vida, eu sou o pão vivo, eu sou o pão que desce do céu. E a coisa segue, e
segue se aprofundando, chamando para mais dentro. Até que seu discurso,
provavelmente no meio de toda aquele burburinho, (mais uma vez é preciso
imaginar) todos falando, se explicando, perguntando e respondendo ao mesmo
tempo, se apresenta de uma forma ainda mais dura: "Eu lhes digo a verdade:
Se vocês não comerem a carne do Filho do homem e não beberem o seu sangue, não
terão vida em si mesmos" (verso 53). Mais (verso 56): "Todo aquele
que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele".
Não é apenas comer junto (ceia), comungar com ele, mas sim comungar a ele
(metafórica e simbolicamente, mas é isso mesmo). É algo meio canibal, meio
antropofágico, meio vampirismo (digo isso aproveitando que os vampiros estão em
moda, novamente). Eu faço parte dele, e ele faz parte de mim. Comer da carne e
beber do sangue é misturar-se ao Cristo. Isso é fazer a obra de Deus, isso é
crer naquele que ele enviou, em Jesus. "Aquele que se alimenta de mim
viverá por minha causa" (verso 57).
"Ao ouvirem isso, muitos dos seus discípulos
disseram: "Dura é essa palavra. Quem pode suportá-la?"" Esse foi
o primeiro verso que lemos, o verso 60. Ouvir Jesus era um coisa. Beneficiar-se
de Jesus era uma outra coisa (a multiplicação). Acompanhar, ver, ouvir, tocar,
perceber, aprender, ali, tudo isso tudo bem. Mas uma coisa que eles não estavam
dispostos a fazer era se misturar de uma forma profunda com Jesus. Diz o verso
66: "Daquela hora em diante, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e
deixaram de segui-lo".
E vocês? "Vocês também não querem ir?"
Perguntou Jesus aos doze, no verso 67. A resposta do apóstolo Pedro, que parece
ser a resposta de quase todos eles, dos doze, é uma resposta de quem já se
envolveu demais: "Senhor, para quem iremos nós?" (verso 68). Jesus
não é apenas o preenchimento da existência deles, mas é também esvaziamento
dessa mesma existência. Ele esvaziou as possibilidades. Não há outros caminhos,
não há outras vozes, não há outros lugares. A resposta de Pedro, se imaginarmos
mais, não tem entusiasmo. Carrega um pouco de um quase desabafo. É a resposta
de alguém que também entendeu a dureza das palavras de Jesus, mas cuja
experiência, vida e envolvimento com ele, senhor daquelas palavras, não permite
outra possibilidade, a não ser a de ficar ali. Pedro não foi porque não tinha
para onde ir (nem para quem). Se tivesse um outro onde ou um outro quem, ele
teria feito igual. Estaria junto com quem foi embora. Mas seus sonhos já eram
outros, sua esperança já era outra, seu caminho já era outro, seus valores já
eram outros, sua vida já era outra. Envolvimento em profundidade é isso. Comer
a carne e beber o sangue, a metáfora usada por Jesus, começa aí. É ter ele como
parte em mim, e me fazer parte ou presente nele. Misturado. Pedro, por fim
confessa: "Tu tens as palavras de
vida eterna. Nós cremos e
sabemos que és o Santo de Deus" (versos 68-69).
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