(Reflexão feita na Igreja Batista em Barão Geraldo no dia 07/10/2012)
Apesar de já
existirem no livro de Atos, os Atos dos Apóstolos, em seus capítulos anteriores,
enquanto narrativas, alguns acontecimentos extraordinários, como a ascensão de
Jesus aos céus, no capítulo primeiro, e a divisão das línguas ou o dia de
pentecostes, no capítulo segundo, eu entendo que o primeiro sinal miraculoso
pertencente de forma exclusiva aos discípulos de Jesus esteja aqui, na
narrativa que acabamos de ler, Atos 03:01-10. Pois, para mim, a cura efetuada
por Pedro e João ali, na porta do templo, às três horas da tarde, na hora da
oração, tendo como beneficiário um aleijado de nascença, é o ato miraculoso que
inaugura algo diferente nos caminhos do Reino de Deus, é o início efetivo do ministério
apostólico. É o começo de um novo tempo, de uma nova etapa que agora se fará
sem a presença física de Jesus. E isso se dá (ou se deu), enquanto legitimação
do caminho profético dentro do Reino de Deus, da mesma forma como se deu em
Jesus. Pois o ministério de Jesus é também inaugurado por um ato miraculoso, a
transformação de água em vinho em João capítulo 02, tradicionalmente conhecido
como o primeiro milagre de Jesus, até porque o próprio evangelho de João aponta
para isso: "Este sinal miraculoso, em Caná da Galiléia, foi o primeiro que
Jesus realizou" (João 02:11). Mesmo e apesar dos outros evangelhos nem mesmo
fazerem menção a esse acontecimento. Em Mateus o miraculoso vem depois do
profético-palavra, mais como confirmação, Mateus 08. Em Marcos tudo é muito
rápido, tudo muito misturado. Em Lucas está uma mistura de Mateus e Marcos, o
miraculoso como confirmação da palavra profética.
Todavia, é o ato
miraculoso que inaugura o ministério (evangelho de João), que legitima (os
Sinóticos) o profeta em seu caminho profético. Inaugura ou legitima, não
importa. O profético, nesse sentido inicial, precisa estar vinculado ao
extraordinário, ao milagre, ao miraculoso. Voltando a Atos, no capítulo
primeiro, vemos que a ascensão, como ato miraculoso, ainda é ato de Jesus. E no
capítulo segundo, na descida do Espírito Santo, o pentecostes, o ato é do
Espírito. É apenas no terceiro capítulo que o ato se torna apostólico. Pedro e
João possuem agora o mesmo status profético de Elias e Eliseu, ambos do Antigo
de Testamento, e o mesmo status profético do próprio Jesus. Agora é o tempo
apostólico, é o tempo dos discípulos de Jesus. E é o ato miraculoso do capítulo
03 que inicia isso. Sem ele, não haveria começo.
E aqui eu preciso
parar e começar a confessar alguns pecados. Pecados meus, um em verdade. É
tentador compreender que o milagre em si mesmo é aquilo que dá ao profeta toda
a autoridade, já que o miraculoso carrega em si uma enormidade de poder. Imaginem
só poder sair por aí com o poder de dizer "levanta e anda", ou
"anda", ou "veja", ou "fale", ou
"ouça". Ser portador da cura imediata. Seria "show de bola".
Extraordinariamente "show de bola". Pois todo ato miraculoso causa
espanto, admiração e medo, pois revela poder, e quanto poder. Quem não se
tornaria admirador de alguém que detenha tal poder? Em Marcos 4, depois de
Jesus acalmar a tempestade, os discípulos, "apavorados", diz o verso
41, "perguntavam uns aos outros: "quem é este que até o vento e o mar
lhe obedecem?". Da mesma forma, o texto que acabamos de ler revela o mesmo
espanto e a mesmo admiração, como em qualquer outro texto que segue a um
acontecimento que foge ao comum: "todos ficaram perplexos e muito
admirados com o que lhe tinha acontecido" (verso 09, Atos 03). Quem seriam
aqueles que estavam, agora, depois da morte de Jesus, fazendo aleijados andar? Quem?
Mereceriam ser ouvidos, mereceriam louvor pelo que fizeram. É por isso que a
multidão, da mesma forma como se aglomeravam ao redor de Jesus, vai se reunir
ao redor deles a partir do verso 11. Quem sabe outros feitos miraculosos não se
fizessem necessários ali, outras curas, e aí a coisa seria até mais rápida e
mais fácil para os discípulos, para a expansão do evangelho, para o ganhar
almas, para se fazer e ser igreja de uma forma mais consistente. Tudo isso
seria tentador, muito tentador.
Quando eu vim de
Santa Fé do Sul, em 1997, e agora o meu pecado eu confesso, vim para estudar
teologia e me tornar pastor, vim me sentindo como Pedro e João subindo ao
tempo, só na expectativa de encontrar um aleijado, ou alguns aleijados, talvez
uns cegos também, mudos, surdos, endemoninhados. Seria só estender as mãos. Mortos
não, ressuscitar demandaria um pouco mais de experiência e santidade. Mas eu
estava me sentindo, "levanta e anda". Poder. No entanto eu já me
perdoei por esse pecado, eu só tinha 17 anos. Espero que quem conviveu comigo
nesse mesmo período também tenha me perdoado.
Levei muito tempo
para compreender o que agora falo a vocês. Pedro e João não estavam se sentido
como eu me sentia achando que sentia como eles. O sentir deles era outro. Era
outro sentimento. Era outro espírito. Era outro poder. Levei muito tempo para
compreender o que de fato eles tinha e estavam oferecendo: "não tenho
prata nem ouro, mas o que eu tenho, isto lhe dou", libertação. Tiro você
dessa condição à margem. Você não vai ficar mais à porta, você vai lá para
dentro com a gente. Vai participar: "E de um salto pôs-se em pé (este é o
verso 08) e começou a andar. Depois entrou com eles no pátio do templo,
andando, saltando e louvando a Deus". Não era um poder miraculoso, era um
miraculoso poder, o poder de libertar, o poder libertador do evangelho, era o
Reino de Deus. E quão estranho é isto: o poder de libertar. É o poder em sua
forma contraditória, é o poder único e final, pois quando se liberta não há
mais nem necessidade e nem razão para o poder, a não ser o poder de ser livre. É
isto o que eu tenho, é isto o que eu te dou, seja livre por meio de Jesus.
Levei muito tempo
para entender isso, mas eles, Pedro e João, também. Hoje eu já não me sinto (me
sentindo) mais como Pedro e João. Mas sinto que deveria sentir. Ter deles o
mesmo sentir, o mesmo sentido, o mesmo sentimento, o mesmo espírito. Ter o que
eles tinham e ofereceram. Tirar quem está à margem e por no meio. Tirar quem
está fora e por dentro. Tornar participante quem jamais será escolhido, pelo
menos não pelos meios comuns. Mostrar um outro caminho, uma outra possibilidade
a quem só consegue ver e ter o que já vê e o que já tem. Olhar bem para a
realidade que está ao redor, bem e bem de perto quem está perto, e também ser
visto, ser possuído por misericórdia e
compaixão e ajudar conforme for possível: "Pedro e João olharam bem para
ele e, então, Pedro disse: "olhe para nós!" O homem olhou para eles
com atenção, esperando receber deles alguma coisa" (verso 04). E recebeu. Aquele
homem, cujo nome não fora nem citado, depois dali não mais vai voltar a ser
quem era, àquela rotina de desde a infância, de mendigar, de se humilhar, de
ser visto como alguém que é digno de pena, de esmola, do que sobra. Ele não vai
ficar mais à porta, mesmo que ela seja "formosa". Ele não será mais
excluído, nem pela sociedade que sempre o deveria ver como estorvo, como imagem
de desconforto, como pela religiosidade, que via nele a imagem do pecado, de um
pagamento por um culpa dele ou de outro alguém. Não mais. Pois agora ele faz
parte de algo maior, maior do que ele, maior do os dois que estão ali diante
dele, maior do que o templo.
Eu não estou me
sentindo mais, ainda bem. Aprendi. Mas ainda sinto que deveria sentir o desejo
pelo poder, o poder de ser livre e proporcionar libertação. Assim como Pedro, assim
como João. Subir ao tempo na hora da oração e encontrar quem quer que seja pelo
caminho, e ser, pelo menos, útil. Espero também que esse seja também o seu
sentir, tanto como pessoa humana, quanto como um cristão humano. Tanto quanto
individuo envolvido em sua própria vida, quanto como comunidade de fé, de fé
cristã, preocupado com o seguimento de Jesus, com o caminho do Reino de Deus,
do Reino próximo.
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